sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Prefácio

Contar a minha história... Há tantos anos que tento ganhar coragem para fazê-lo... É um dever meu. A Miracle sempre me disse que teria de fazê-lo um dia. A mãe dela fez, tal como ela, trinta anos depois. Agora eu, quase sessenta anos depois da última vez que alguém escreveu uma palavra sobre a nossa família. Estou velho. Não sou bom com palavras, nunca fui. Na verdade, como dizia a Miracle, nunca tive jeito para demonstrar o que me vai na alma.

O que me levou a abrir o coração começou com uma visão. Não acreditei no que via e, quando acreditei, senti-me a pessoa mais horrível do mundo. Pelo menos a mais injusta e cruel. Foi uma prova. Foi, digamos, uma derrota que se precedeu a uma grande vitória.

Aqui estou eu, sentado em frente do computador a escrever com muita dificuldade. Cada frase, cada palavra faz-me pensar na história que chegou a altura de partilhar. O meu coração sorri, os meus olhos choram, as minhas mãos tremem.

Na fotografia, o Puppy, já fraco mas feliz, descansa em frente à lareira com o focinho escondido entre as patas dianteiras, talvez a sonhar com o mesmo que sonho todos os dias. Talvez a recordar as alegrias que ela lhe deu. Talvez a chorar a sua despedida. No dia em que tirei essa fotografia, achei que podia guardar para sempre a imagem de um cão que parecia sentir precisamente o mesmo que eu. Até dele eu sinto falta. Compreendiamo-nos mutuamente nos momentos de dor, partilhávamos sempre todas as horas de alegria. Éramos o que se podia, de longe, chamar família.
Está frio. Estará? Lá fora, passam raparigas com vestidos primaveris e rapazes com calções. Ontem mesmo ouvi falar, pela primeira vez este ano, em praia. Talvez o frio que sinto seja a falta dela. Talvez seja falta de mim. Falta da juventude, falta da liberdade daquele tempo. Tempo de vida, tempo de alegria, tempo proveitoso a tantos amores... A amores como o meu.

Tenho uma caneca enorme cheia de chocolate quente que diz “Que contes mais sessenta pela frente!”. Não, não quero mais sessenta anos pela frente! Não quero mais sessenta anos sem o trago a menta que o chocolate quente dela tinha. Não quero mais sessenta anos sem a gargahada dela. Não quero mais sessenta anos sem ela!

O meu único desejo é contar quem ela foi. Contar o que ela foi para mim. Continuar a história que devia ter tido um fim há muitos anos, quando fui viver com a Miracle e o Brod. Essa história, sim. Essa história teve um “felizes para sempre” no fim. Eles mereciam-no, depois de tudo.

Quanto a mim... eis o que vão descobrir.

2 comentários:

O Sibarita disse...

Oi dona menina Juliana! Belo, tão belo como seu nome é esse Prefácio!
PARABÉNS e continue...

bjs
O Sibarita

Blog Dri Viaro disse...

Oi!!

Passei pra conhecer seu blog, e desejar boa semana

bjs

aguardo sua visita :)